Fugir de Casa


Faz dias que planejo fugir daqui. Na semana passada eu cheguei a me levantar e dar alguns passos em direção à porta. Foram os cinco ou seis passos mais libertadores da minha vida. A ideia de simplesmente abandonar todo o sofrimento, toda a injustiça do nosso pequeno autocosmus sempre me foi atraente. Mas eu não podia fugir.
Quando criança eu me imaginava partindo, indo embora com o circo. Eu seria a cuidadora dos hipopótamos ou a lavadora dos elefantes. Eu queria ser responsável por algo grande, eu queria abandonar os olhares limitantes, eu queria silenciar quem calava os meus sonhos. Parecia mais do que justo que eu fosse livre, como os pôneis presos no circo. Mas eu não sabia como silenciar o medo de me arrepender e não ter mais pra onde voltar.
Meus pés foram feitos pra ir embora. Estão sempre apontando para frente sem olhar para as próprias pegadas. Eles se machucam, mas não se arrependem. Voltando do supermercado, parei pra pensar que minha maior descoberta naquele dia tinha sido uma marca nova de molhos. Encarei as pontas dos meus pés com vergonha.
Na casa que escolhi, olhei para as paredes que tinham as cores com as quais sempre sonhei, já tão desbotadas. Eu já tinha mudado os móveis de lugar tantas vezes que eles estavam se desmontando. O que eu queria mesmo era me tirar, me retirar da segurança previsível. Não é nada fácil vencer as próprias castrações. Quem estava desmontando-se era eu.
Fui para o quarto e me diverti tirando a mala do maleiro. Ela passava o tempo todo me olhando de lá, me convidando pra fugir. Comecei a pensar no que poderia levar para o desconhecido, mas eu já conhecia todas aquelas roupas. Elas eram bordadas de lembranças, nem todas lá muito boas.
Quando dei por mim, estava chorando e embalando tudo o que ainda conseguia enxergar. Quanto mais pesada ficava a mala, mais leve meu coração se tornava. Meu coração ficou tão leve que decidiu voar. Querido, deixei macarrão no forno, com aquele molho incrível novo. Perdoe sair assim, quase sem avisar. Eu até tentei. E você teria notado se me olhasse com mais frequencia nos olhos.
Diego Engenho Novo
Ângela.
Fonte: Palavracronica.com

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