Quando a gente era pequeno

Quando a gente era pequeno achava que ele ia ser um herói, eu sabia que ele seria capaz de conquistar o mundo. Muito mais do que eu sonhava para mim, conseguia ver nos meus sonhos tudo aquilo que ele ia conquistar. 

A gente só se via nas férias, e eu amava isso. Esperava o ano todo para viajar e quando chegava na fazenda ele me levava para explorar cada buraco, literalmente. Era o tempo que eu tinha para ser criança, para brincar e descobrir o mundo do jeito que ele me mostrava, porque era sempre mais legal. Ele conhecia tudo, sabia explicar cada coisa, cuidava de mim e me batia como ninguém também! Como ele era maior e menino, sempre comandava a brincadeira, eu ficava emburrada um tempo, mas logo voltava a correr atrás dele de novo, porque ele era incrível, e como tínhamos apenas algumas semanas juntos, todo tempo era precioso. 

O Celo tinha uma habilidade que eu sempre quis ter, ele desenhava e tinha uma criatividade que eu nunca consegui chegar perto. Mas não eram só desenhos normais, ele criava monstros, heróis, inventava história para cada personagem e interpretava cada um. Aproveitava disso pra me assustar também, mas depois de rir da minha cara e me chamar de besta, ele me abraçava e me acalmava dizendo até eu acreditar que nada daquilo era verdade. E a parte mais legal era quando a noite chegava, eu sempre tive problemas pra dormir, mas ele me acompanhava, a gente esperava minha avó dormir, corria pra janela e ficava olhando as estrelas, respirando fundo e sentindo o vento gostoso da noite congelando o nariz. Ele também sabia tudo sobre as estrelas. 

Eu não sei ao certo quando foi que a gente se afastou, talvez quando a gente cresceu um pouco, ou depois dele dar crise de ciúmes com o meu primeiro namorado, sei lá, mas queria saber onde foi que ele se perdeu. Quando foi que ele parou de sonhar e de acreditar em si, quando ele deixou de ser aquele menino que buscava sempre aprender e a fazer o melhor para ser alguém que deixa a vida o levar para onde ela quer, sem se importar aonde isso vai dar. Eu sinto saudade dele, das ideias geniais, dos planos de comprar a PIXAR um dia, ou de trabalhar no Vale do Silício, daquela determinação e do ânimo que ele tinha. 

Hoje eu nem sei quem ele é mais, mas espero que consiga encontrar a criança que ele foi dentro dele e consiga recuperar todos aqueles sonhos que faziam ser quem ele era, e o que ele ainda pode ser.

Lua.




Acréscimo sobre o porquê do post que não fez sentido para muita gente:

Tem um aluno do curso onde eu trabalho que se parece demais fisicamente com ele, esse menino passa o dia estudando e provavelmente vai passar em pouco tempo para um curso como medicina ou direito,  como ele tem capacidade, mas desistiu de correr atrás. 
Fiquei questionando o quanto da nossa capacidade é jogada fora se a gente não acredita nela, e no que leva alguém com tanto futuro a deixar de viver aquilo que se pode ser alcançado.

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